#95 Entrevista sobre coleta de dados em mídias sociais
Pedro Meirelles fala um pouco dos desafios e atenções que devemos ter com os dados de mídias sociais
#TBT de hoje é a edição #80 onde entrevistei o Head de Social Media da Exame
Quem trabalha com coleta de dados em redes sociais sabe que, durante os últimos cinco anos, houve um crescimento na restrição das coletas vindas das APIs. E o campo que mais foi afetado foi o social listening (ou monitoramento em mídias sociais), que se baseia na coleta de menções em perfis, páginas e fóruns.
E para explorar um pouco mais sobre o assunto, convidei Pedro Meirelles, pesquisador no IBPAD e especialista em coleta de dados em mídias sociais. Desde 2015 ele acompanha as mudanças e nos conta um pouco sobre os desafios atuais, perspectivas e como o meio acadêmico pode contribuir dentro desse contexto.
Desde o caso Cambridge Analytica em 2017, a coleta de dados de redes sociais vem sofrendo mudanças devido a leis de privacidade e outros fatores. Na sua visão, quais foram as principais mudanças de lá para cá e quais os impactos que tivemos nas análises e modus operandis das entregas de B.I.?
Eu acho que o impacto foi tão grande que não somente alterou o dia-a-dia e a operação do trabalho de BI, mas reconfigurou toda uma área - que ainda estava se consolidando. A pesquisa d'O Profissional de Inteligência em Mídias Sociais no Brasil, cuja última edição foi realizada em 2018, mostrava como o termo "inteligência" e "business intelligence", de modo geral em seus últimos anos, já ganhava tração em direção a um trabalho com dados de mídias sociais mais voltado para mensuração e performance. Ainda que muitas das referências fossem pesquisadoras/es (acadêmicos), já havia indícios claros de que o mercado estava se afastando da pesquisa e monitoramento para se aproximar de outras disciplinas.
Imagino que uma pesquisa sobre profissionais de inteligência de mídias sociais ou de business intelligence (para mídias sociais) hoje, em 2021, revelaria como a nova face desse trabalho é muito mais voltado para o escopo de métricas e mídia (social analytics, web analytics, ad performance etc.). Quando fiz uma análise de vagas publicadas num grupo do Facebook ainda em 2017, essa tendência para o trabalho de BI já começava a se consolidar. Hoje, o que percebo é uma guinada ainda mais voltada para uma perspectiva de inteligência de negócios (mesmo em agências e vagas voltadas para comunicação), com a exigência de conhecimentos ainda mais voltados para técnicas e habilidades matemáticas/estatísticas, ou até mesmo data science.
Nesse contexto, em que as plataformas são os próprios veículos de mídia, ainda há uma abundância de dados disponibilizados. Ou seja, para o trabalho de analytics/performance, praticamente não vejo limitações nesse sentido. A disciplina que mais sofreu nesse cenário foi monitoramento/social listening, principalmente em dois sentidos:
na oferta/demanda de dados disponibilizados pelas plataformas e;
na necessidade de desenvolver frameworks de trabalho que levem em consideração a privacidade dos usuários - tanto pelas próprias plataformas, que já atuam com certa anonimização dos perfis; quanto da gestão interna dos dados, adequando-se às novas regras de Lei Geral de Proteção de Dados.
Acredito particularmente que esse cenário em que o trabalho de monitoramento/social listening (ou seja, de coleta e gestão de dados de conversações/perfis em mídias sociais) foi limitado pelas plataformas devido às mudanças nas APIs somado à expansão das mídias digitais (no sentido de compra de espaço publicitário em ambientes online - pensando que um dia já acreditamos e falávamos em alcance "orgânico") resultou nessa reconfiguração da área de BI.
Por isso, acredito que as entregas hoje sejam muito mais voltadas para mensuração de resultados de campanhas e análise de dados proprietários, por exemplo. Enquanto isso, a pesquisa e o monitoramento têm que se adaptar à escassez dos dados para desenhar novos processos metodológicos que mostram seu valor.
Você é um dos especialistas que consegue aliar práticas do meio acadêmico com usos corporativos do mercado e isso infelizmente não é uma abordagem comum nas entregas de B.I.. Na sua opinião, quais os benefícios desse intercâmbio entre "os dois lados"?
Acho que o benefício mais óbvio diz respeito à produção técnica acadêmica. Há duas premissas básicas para o trabalho científico: rigor metodológico (o processo deve ser detalhadamente publicado a partir de métodos consolidados) e inovação (o desenvolvimento pode envolver um tema bastante popular, como recentemente tem sido com COVID-19, mas a sua abordagem - teórica e metodológica - deve buscar sempre certo "ineditismo"). É nesse contexto, portanto, que a academia avança tanto em termos de produção técnica - ferramentas, metodologias, scripts, etc. - e vemos algumas ferramentas de mercado, inclusive, incorporando modelos criados pela/para academia.
No entanto, para além de esses aparatos tecnológicos, acho importante também destacar o estímulo ao pensamento crítico - social e científico. Para mim, de formação na área das Ciências Sociais e Humanas, a academia ajudou muito para que eu compreendesse melhor como a sociedade opera, em nível mais amplo (estrutural) e mais pessoal (subjetivo). Várias teorias das Humanidades são extremamente úteis para compreender como as pessoas fazem uso e apropriação das mídias sociais, por exemplo.
No fim do dia, principalmente para trabalha com BI voltado para pesquisa/monitoramento, é importante lembrar que, por trás de toda aquela parafernalha (e números), há pessoas.
Além disso, independente se o seu trabalho é de pesquisa ou mais voltado para mensuração/análise quantitativa de dados, o pensamento científico pode ser extremamente útil. O método científico é fundamental para qualquer pessoa que principalmente precisa trabalhar com análise de dados. Observação, questionamentos, hipóteses, testes, etc. - tudo isso faz parte também do trabalho.
As principais plataformas estão restringindo cada vez mais os dados e concentrando dentro dos seus walled gardens. Considerando o histórico e esses movimentos atuais, como você enxerga o futuro da coleta e análise de dados de mídias sociais?
Olha, eu odeio tentar fazer previsões técnicas porque a gente nunca sabe o que as plataformas estão planejando para os próximos anos. Acho que duas coisas são certas:
Facebook e cia. sempre vão atender a seus próprios interesses de negócio, mas;
Ao mesmo tempo, uma vez que somos também usuários dessas plataformas, sempre conseguiremos - de algum modo, seja menos ou mais automatizado - realizar a coleta de dados.
Quanto à primeira questão, acho importantíssimo não perdermos de vista o modelo de negócios e a política de governança de dados das plataformas. Todos os profissionais que trabalham com isso - e o mercado de modo geral - precisa ao menos tentar entender o que se passa por trás desse cenário. Compreender como ferramentas de terceiros (de monitoramento ou gestão, por exemplo) fazem a integração com os dados das plataformas e quais são as problemáticas que isso envolve - porque, de um dia para o outro, os portões (as APIs) podem simplesmente fechar.
Isso não quer dizer, entretanto, como indico no segundo ponto, que trabalhos de pesquisa e/ou monitoramento envolvendo coleta e análise de dados vai morrer - como já anunciaram alguns anos atrás. O trabalho de coleta e análise de dados existe há muito tempo, bem antes da própria internet ou de qualquer sinal de digitalização da vida social.
O problema é que, nas últimas duas décadas, o entusiasmo desenfreado por dados a qualquer custo criou uma narrativa irresponsável sobre as possibilidades de utilizar dessa fonte para desenvolver pesquisa.
Enquanto não conseguimos de modo algum descentralizar o acesso às plataformas e sua consequente produção (e acúmulo) desproporcional de dados de milhões de usuários diariamente, o que nos resta é repensar o modo como estruturamos esse mercado: menos hype por dados numa perspectiva utilitarista acumulativa (quanto mais, melhor) e mais discussão coletiva para repensar estratégias, táticas e metodologias para tirar o máximo proveito dos dados que temos à disposição.
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NOVIDADE DA SEMANA
YouTube Shorts chega ao Brasil para concorrer com TikTok
Finalmente o Shorts chega ao Brasil como concorrente do TikTok e Instagram Reels. Também baseado em vídeos curtos e amplamente editáveis, há um aplicativo oficial para criar seus shorts.
Uma vantagem do Shorts em relação aos concorrentes é a possibilidade de usar o áudio de vídeos do YouTube, além da possibilidade de gravar os famosos “reacts” de vídeos da plataforma.
Vi no B9